Sobre sorvetes e viagens no tempo

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dezembro 28, 2013 por Laís Grilletti

Um dos prazeres mais simples de dias quentes de verão é se deliciar em uma taça de sorvete napolitano semiderretido. Ah, a mistura perfeita desses três sabores coloridos na temperatura ideal da cremosidade com o gelo do fundo do pote de 2 litros e a certeza de que até dia 1º todos os excessos estão permitidos. Eis a minha definição de felicidade!

Mas uma boa taça de sorvete sempre vem com uma cobertura de angústia. A vida é assim, se você parar para pensar. O paralelo sofrimento e prazer deixam tudo mais intenso. Para mim, cada boa colherada naquele sorvete maravilhoso vem com um breve, porém sentido, sofrimento de que ele estava no fim. E na tentativa de guardar seu sabor na minha boca, para que minha memória grave aquela sensação em seus mais profundos neurônios gustativos, ele se derrete e escorrega pela garganta.

Tento prolongar aquele sabor aumentando a quantidade de sorvete, mas só descubro que o sofrimento é ainda maior porque vem associado à culpa e ao medo de que ele mais cedo ou mais tarde vai acabar.

Não à toa, lembrei do filme Questão de Tempo, que já virou forte concorrente na minha lista dos melhores filmes do mundo. É a história de um menino capaz de voltar no tempo para concertar as coisas da sua vida que dão errado, como aquela gafe que vai ter martelar assim que você encostar a cabeça no travesseiro ou aquele eu te amo dito no último dia do verão que poderia ter sido antecipado, aumentando suas chances de sucesso.

Poderia ser só uma comédia romântica com uma dose de viagem no tempo como o cartaz promete, mas se torna uma daquelas lições de vida que passam uma hora e meia preparando o terreno da nossa emoção para então atacar, fazendo as lágrimas caírem bem no dia em que não levei lencinho.

Não pare de ler se você está com medo dos spoilers. Os únicos que surgirão são sobre o segredo da vida ou da felicidade, ou seja, o tipo de spoiler que procuramos conscientemente em livros de autoajuda e terapias.

O que o protagonista descobre é mais ou menos o que eu poderia ter aprendido com a minha taça de sorvete. Como conselho de seu pai, ele decide viver seus dias duas vezes. Na primeira, estaria tão preocupado com a imprevisibilidade da vida que não conseguiria curtir a vista. Porém, na segunda vez ele poderia se atentar aos detalhes que as preocupações de um dia imprevisível deixariam passar, como o sorriso da atendente do supermercado ou a alegria de fazer panquecas para os filhos.

A grande descoberta que ele faz é que, como extensão do conselho do pai, não é preciso viver duas vezes o mesmo dia para ter essa visão distinta. São aqueles três segundos que você se desliga do mundo real e olha numa distância estratosférica para a sua própria vida como o protagonista que vira narrador. E para virar narrador não é preciso uma viagem no tempo ou a onisciência de nossa trama pessoal, mas sim aproveitar todos os capítulos, sem se preocupar com o momento em que os créditos vão subir.

Se no outro post eu dizia que não tinha nenhuma resolução de Ano Novo, acabo de encontrar uma muito boa. Quero passar a tomar sorvete sem o sofrimento de que ele vai acabar. Quero aproveitar cada colherada como se fosse a última, mas sem angústias ou apegos que me fazem lamber o potinho desesperadamente. Quero uma casquinha de Carpe Diem todos os dias para me lembrar que a vida é feita de momentos únicos que se acabam no instante em que passam e, por isso, merecem toda a nossa atenção.

Afinal, todos nós viajamos no tempo. Não é algo que podemos controlar, reverter ou estagnar. Viajamos em direção ao futuro, sem nunca propriamente chegarmos nele. Só o que nos resta fazer é aproveitar a viagem!

3 pensamentos sobre “Sobre sorvetes e viagens no tempo

  1. Nathalia Andrijic disse:

    Resolução de Ano Novo perfeita! Entrou pra minha lista, também!
    Estou indicando o filme pra todo mundo e, como nosso querido protagonista, ainda quero vê-lo de novo pra aproveitar os detalhes.

  2. Assisti o filme ontem e fiquei louco procurando alguma coisa pra ler pra prolongar aquela sensação. Felizmente seu texto foi uma boa dose disso!

    • Laís Grilletti disse:

      Seja mais que super bem-vindo ao Reflexões de Chuveiro! Eu também sempre saio desses filmes cheia de ideias na cabeça e interpretar tudo aquilo nesse blog é uma forma de garantir que a minha memória não deixe essa reflexão ir embora. Fique à vontade para participar das outras reflexões de chuveiro!!

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